Noite de estrelas instrumentais
- Jose Edmar Gomes Texto e fotos
- 10 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de out. de 2022
A noite do sábado, 25 de maio, foi marcante para o movimento musical de Sobradinho. Nesta data, o Projeto Arte na Praça conseguiu reunir, no palco da Praça das Artes – na Quadra 8, centro da cidade - músicos de variados estilos, num show inédito que mostrou o talento de cada um e a convergência entre todos.
Em torno do maestro Alex Paz, que comandou seu show instrumental, reuniram-se os músicos Fernando Machado (sax), Gean Carlos (baixo), Fernando Palau (teclados) e Di Stefanno (bateria); além das cantoras Amélia Pinheiro e Rosemaria Alves, que cantaram os clássicos Besame(Flávio Venturini e Murilo Antunes, 1988) e Aquarela do Brasil (Ary Barroso, 1939).
Se a primeira parte do show foi interessante, com toda essa gente brilhando; a segunda foi, no mínimo, surpreendente, pois trouxe o casal Carol Senna e Alberto Salgado.
Salgado é destaque no mundo inteiro como cantor, letrista, multi-instrumentista e vencedor da categoria Melhor Álbum Regional do Prêmio da Música Brasileira 2017, com o CD Cabaça DÁgua.
Carol Senna interpreta, dança e desenha. Foi ela quem criou a capa do CD Cabaça d’Água. Senna presenteou o público com o seu talento e o instigante repertório que aborda o universo das mulheres, que é a base do seu prestigiado show Feminina, que volta e meia, volta aos espaços do Plano Piloto.


O maestro Alex Paz e banda e a dupla Carol Senna e Alberto Salgado trazem qualidade musical à Praça das Artes
Folclore - Ao iniciar o show, Alex Paz – que se acompanhou ao violão - disse que iria apresentar alguns temas de sua autoria, que estavam engavetados e precisavam vir à luz, num momento em que Sobradinho se esforça para mostrar os produtos próprios de sua cultura.
Paz já dirigiu grupos musicais expressivos, como Americanto (RJ), Cantamérica (RJ), Os Quíchuas (RS), América 4 (ES) e Los Chunkas (MG). É pesquisador do folclore das Américas e um virtuoso da flauta de pan, além de exímio violonista. O maestro já andou pela Venezuela, Panamá, Bolívia, Argentina, Peru, Guatemala, Marrocos e conhece o Brasil de norte a sul, sempre envolvido com pesquisas e direção musicais.
Em 1993, transferiu-se para Brasília, onde suas principais atividades passaram a ser gravações e produções. Morador de Sobradinho, ele fundou aqui a Associação dos
Artistas de Sobradinho e Entorno (Artise) e criou a Banda Artise, uma das maiores do Centro-Oeste.
Paz é voltado para grandes arranjos de metais e percussão e produz um som sui generis, a partir de elementos da bossa nova, jazz latino, elementos nordestinos e regionais. Toda essa mistura resulta numa alquimia musical de muito suingue e sensibilidade.
Alex Paz apresentou dois temas inéditos, que embeveceram a plateia, que o aplaudiu com entusiasmo. Seu show foi precedido por muita bossa nova e temas latinos.
ALEX PAZ: Bolero moderno está próximo da bossa nova

Após o show, o maestro Alex Paz respondeu algumas perguntas sobre seu instigante trabalho e os pontos de ligação da música brasileira com a latina. Veja:
- O que este seu novo repertório tem a ver com a bossa nova e com as demais sonoridades da América Latina?
- Estou trabalhando uma forma nova, dentro da música latino-americana, assim como já conseguiram, através do samba, chegar à bossa nova, em 1959. Essa mistura que eu faço já existe, há muitos anos, na América Latina, mas eu estou atualizando-a agora.
- A bossa nova e o samba-canção têm algo em comum?
- Têm muito a ver. Muitas coisas se complementam, Mas, hoje, o bolero moderno está mais próximo da bossa nova.
- O bolero também ajudou a formatar o samba-canção?
- O bolero estava em voga nos anos 40/50 e o samba-canção absorveu do ritmo latino a clave de sol e a batida que o caracteriza. Logicamente, o samba também influenciou o samba-canção, mas o bolero foi determinante.
- O bolero, então, continua por cima?
Apesar de muitos ritmos serem parecidos com o bolero, o bolero moderno está mais próximo da bossa nova e inserido em muitos momentos da MPB.
- O bolero e o samba canção trazem uma profundidade poética e uma nostalgia que apontam pro além-mar. Isso faz sentido pra você?
- Sim é verdade. Mas as origens de tudo são africanas e chegaram à Espanha e a Portugal pelo Estreito de Gibraltar. Então, esse suingue todo não é de Portugal, nem da Espanha, mas da África, e se formou após muitos anos de aculturação.
- À Península Ibérica chegaram muitos povos do Oriente: árabes, hebreus e até ciganos, posteriormente. E o caldeirão cultural ferveu.
-Estes temas instrumentais, que você executou hoje, traduzem o quê: sua concepção musical, saudade ou a beleza da AL e do Brasil?
Não. Eles traduzem o sentimento de que um ser latino-americano não pode ser apenas uma figura aleatória, mas alguém que existe, tem uma realidade e deve ser inserido no contexto. Hoje, o mercado está cheio de porcaria e estamos tentando suprir as lacunas desse mercado com aquilo que pode fazer a diferença.
CAROL SENNA: Eu sou neguinha

- O seu show é muito delicado, muito feminino, muito brasileiro...
- O repertório foi escolhido a dedo. É um projeto que venho desenvolvendo, chamado Feminina. Feminina é uma música da cantora Joice, que traduz muito bem o que é ser feminina. Eu procurei estender este conceito do que é ser feminina, o feminino, o arquétipo, as dores, as alegrias, traduzido em canções.
- Fale mais sobre o repertório...
- Esse repertório foi baseado nessa necessidade de empoderamento que a mulher precisa e está acontecendo, agora. Hoje, só cantei músicas brasileiras, mas o espetáculo conta ainda com Gracias a La Vida, da Violeta Parra, que é uma forma de agradecimento pelo empoderamento da mulher.
-Teve muito samba. O samba dá mais liberdade para a mulher se expressar, como você se expressa no palco?
- O ritmo do samba, inevitavelmente, não permite que você fique quieto, tem uma energia natural e essa energia permite uma troca com o público. - Essa energia vem da África ou do Brasil?
- Brasil e África são uma fusão. Agente é fruto dos africanos: Eu sou neguinha.
-Qual é a essência dessa alegria brasileira, já que nem sempre as coisas andam bem por aqui?
- A essência, antes de mais nada, vem de dentro, no sentido da celebração.
- É isso que é a alma do Brasil?
- O brasileiro sempre é festivo. A atual situação política tem deixado todo mundo perturbado, mas nós temos uma alma de felicidade que nos acompanha.
- Alberto Salgado dá sua opinião: “Os portugueses quando chegaram ao Brasil trouxeram tristeza. Os africanos trouxeram alegria”.
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