A Geladeira foi destruída. Quem vai pagar pelo crime ambiental?
- José Edmar Gomes
- 21 de jun. de 2017
- 7 min de leitura
Atualizado: 21 de out. de 2022

José Vicente Lima: Tudo virou um monte de lama e sujeira. Se chover, nem gente grande passa (Fotos:Josê Edmar Gomes)
Crime ambiental? Desrespeito à natureza? Falta de planejamento? Obra mal executada?
Quem vê o que restou da “Geladeira”, após as obras de canalização do esgoto de Sobradinho II e Grande Colorado, em execução pela empreiteira CBR Engenharia e Comércio Ltda., contratada pela Caesb, responde afirmativamente às quatro perguntas acima.
A “Geladeira” “era” um sítio ecológico, situado no final da Quadra 01, muito frequentado pelos moradores das quadras vizinhas, nos anos 60, 70 e 80, como balneário. No local, o Ribeirão Sobradinho recebe as águas do Córrego Paranoazinho e de nascentes e formava um poço que encobria uma pessoa de boa altura.
Muitos sobradinhenses que, hoje, ostentam cabelereira grisalha ou reluzente careca, frequentaram o local e estão indignados com a intervenção que, praticamente destruiu o local e dificultou a travessia dos moradores, que se dirigiam à região de chácaras do outro lado do Ribeirão.
José Vicente Lima, 70 anos, mora há 30 anos numa chácara bem próxima à “Geladeira” e todos os dias atravessa o local para levar os netos ao colégio, rotina que se tornou um sacrifício pois a “pontezinha ainda existe ‘pro riba’ do Ribeirão, mas tudo em volta virou atoleiro”. A estrada foi destruída. “Tudo virou um monte de lama e sujeira. As crianças têm que tirar os sapatos e lavar os pés do outro lado para chegar decentes à escola. Se chover forte, nem gente grande passa”, reclama o chacareiro.
José Vicente relembra que quando tomava banho no poço, ficava de pé, levantava os braços e era encoberto pela água. “Era uma beleza. A água era limpinha. Agora parece que teve um terremoto aqui”, espanta-se o morador.
Ele afirma que é o morador mais antigo da área e criou cinco filhos ali, “vivendo sossegado, mas agora tem invasão pra todo lado e muito desocupado, consumindo droga no meio do mato. E o pior é que ninguém nos socorre. A Administração não vem, o Ibama não vem, a polícia não vem...”, lamenta seu Vicente.
Um pedreiro que trabalhava no local pela empreiteira CBR, explicou que a nova carga de esgoto vem do Grande Colorado e Condomínios, cai numa primeira caixa, atravessa o sitio da “Geladeira” e é jogado numa caixa de 10 m3, já na curva, entre as Quadras 01 e 03, de onde segue para a Estação de Tratamento da Quadra 01. Ele afirmou que a área será recuperada, após o término da obra.
Crime ambiental - O professor Raimundo Pereira Barbosa - que vive em Sobradinho há 52 anos e lecionou história no Centro Educacional 01 (Ginásio da Q. 04), de 1976 a 1998 – defendeu recentemente sua tese de mestrado na Universidade Católica de Brasília, na área de Planejamento e Gestão Ambiental, denominada Avaliação dos Riscos Ambientais em Sobradinho-DF, analisando dados da ocupação desordenada que a região de Sobradinho sofreu nas últimas décadas.
Na avaliação do professor, não há dúvidas de que a intervenção da Caesb na Geladeira constitui crime ambiental. Tanto é que ele deu conhecimento do fato à Adasa e ao Ibram. Raimundo explica que a ideia de quem executou a obra é de “terra arrasada”, pois abriram duas clareiras em ambas as margens, passaram tubulação por baixo do curso da água e aterraram as nascentes. “Aquilo ali jamais vai se recuperar”, lamenta.
O professor observa que a ligação do esgoto poderia ter sido feita sem ter causado tamanho impacto e – continua -, apesar de ter sido informado de que os danos serão reparados, as máquinas aterraram as margens do Ribeirão. “Caso a vegetação destruída não seja recomposta antes das chuvas, todo barro e terra remexida vão para dentro do leito, assoreando ainda mais o Ribeirão”, adverte.
Para o professor, há de fato erros na execução da obra, pois o Ibram concedeu licença para a Caesb executá-la, sob certas condições e cuidados. “Mas, como não houve fiscalização para saber se tais condições e cuidados foram respeitados, ocorreu o desastre ambiental”.
O ambientalista também aponta como danos gravíssimos ao Ribeirão Sobradinho, o desvio do seu leito nas proximidades do Horto Florestal, do Centro de Tradições Populares e na própria “Geladeira”. “Sem contar as invasões ao longo do seu curso, cujos ocupantes estão destruindo a mata ciliar, queimando galhadas e atirando os resíduos dentro do Ribeirão”, finaliza.

O professor Raimundo Pereira Barbosa observa que a ligação do esgoto poderia ter sido feita sem ter causado tamanho impacto
Caesb responde
O Folha da Serra enviou dez perguntas à Caesb para melhor esclarecer o assunto. As questões foram respondidas pela Assessoria de Comunicação Social, que afirma peremptoriamente que a companhia de saneamento do Distrito Federal não cometeu crime ambiental no sítio ecológico da Geladeira
As mesmas questões foram enviadas à assessoria de comunicação do Ibram que, no entanto , não se dignou a respondê - las até a presente data.
Ao esclarecer porque as canalizações de esgoto não foram direcionadas em linha reta para ETE, mas fazendo uma curva, que só servi u para destruir o sítio ecológico, a Caesb aponta que o escoamento do esgoto é por gravidade e traçado da canalização obedece ao que for técnica e topograficamente viável.
“Caso fosse adotada a ‘linha reta’ sugerida, o desgaste ambiental teria maiores proporções, pois as redes seriam implantadas em área predominantemente de brejo...”, esclarece.
Veja a íntegra das respostas a seguir:
1 - Qual a extensão da obra, e quais os locais que ela atinge?
- A extensão desta obra específica corresponde a 579 metros lineares (SIFÃO GERAL composto de duas linhas de tubulação de 450mm e 355mm). Abrange o seguinte local: Interliga o Interceptor existente localizado à Rua 07 de Sobradinho II para o Interceptor Geral localizado na Via de Acesso situada entre a DF 20 e a DF 150.
2- Existe estudo de Impacto Ambiental ou Rima para tal intervenção? - Durante o licenciamento desse empreendimento foi elaborado um Plano de Controle Ambiental. A obra está devidamente licenciada pelo Instituto Brasília Ambiental – Ibram, por meio da Licença de Instalação nº 17/2013, a qual encontra-se em renovação. Todas as obras de esgotamento sanitário feitas pela Caesb visam justamente melhorias ambientais e no quesito relacionado à saúde pública.
3- Qual a capacidade da ETE de Sobradinho atualmente? - A vazão média de projeto, para o tratamento de esgoto, na ETE Sobradinho é de 196 L/s e a vazão média atual de esgoto para o devido tratamento é de 68,6 L/s, que corresponde a 35% da capacidade hidráulica.

A vegetação e as nascentes do sítio da ecológico da “Geladeira” foram destruídas também pela ocupação desordenada das imediaçôes ...
4- Qual será o novo aporte de esgoto em m3 que a ETE vai receber quando a obra em questão for finalizada? - O aporte previsto para a primeira etapa é de aproximadamente 50 litros/segundo que representa aproximadamente 4.300m³/dia. Mesmo com esse incremento, a ETE Sobradinho, que trabalha hoje com uma folga de 65% de sua capacidade, ainda manterá uma margem de 40%.
5 – Por que as canalizações não foram direcionadas em linha reta para ETE, que fica cerca de um quilômetro abaixo do sítio da "Geladeira", fazendo uma curva, a princípio, desnecessária, que só servi u para destruir o sítio ecológico? - Por se tratar de empreendimento cujo escoamento é por gravidade, o seu traçado deverá obedecer ao que for técnica e topograficamente viável. Caso fosse adotada a "linha reta" sugerida, o desgaste ambiental teria maiores proporções, pois as redes seriam implantadas em área predominantemente de brejo além de interferir com a passarela de pedestre, em treliça de madeira, existente. Ressalta-se que no traçado adotado pela Caesb já havia uma "pista de acesso" entre a Rua 07 de Sobradinho II e uma área localizada entre a DF 20 e a DF 150.
6 – Porque a Caesb, diante da escassez de água no DF, não tem o Ribeirão Sobradinho como um manancial estratégico, ao invés de jogar dejetos in natura no seu leito? - A Caesb não lança dejetos in natura no leito do Ribeirão Sobradinho. Bem como não lança dejetos in natura em local nenhum do Distrito Federal. Atualmente, 100% do esgoto coletado é tratado pela estação de tratamento ETE Sobradinho, cuja média de eficiência tem sido da ordem de 92,7% na remoção de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio). A Caesb vêm trabalhando em uma série de medidas visando reduzir os impactos da escassez hídrica atual, entre elas destacam-se: - Ajustes para captação do volume morto do Descoberto; - Adutora reversível, que possibilitará o envio de água da bacia Santa Maria para Bacia do Descoberto; - Captação e estação de tratamento do Gama, iniciando o processo licitatório; - As obras de captação no Bananal, que estão em estágio avançado; - Captação e estação de tratamento do Lago Norte, com obras licitadas; As obras listadas foram priorizadas através de estudos técnicos, estudos esses, que não apontaram viabilidade técnica da captação no Ribeirão Sobradinho para o momento.
7 – Porque o Caesb não resolve o problema do mau cheiro na entrada de Sobradinho, decorrente dos dejetos in na natura que são jogados no Ribeirão. Esta situação tem mais de 30 anos. É descaso? - Foram instalados 5 sistemas de filtragem de gás para minimizar o cheiro em diversas etapas de tratamento e desde então a operação verifica a diminuição dos odores. Reafirmamos que a ETE Sobradinho não lança esgoto in natura no corpo receptor. Essa informação é falsa.
8 – Qual o valor, construtor responsável e prazo de entrega da obra, já que não localizamos nenhuma placa no local? O valor total da obra, Contrato 8316/2013 – Caesb, corresponde a R$ 10.791.012,86. A empresa contratada para execução das obras é a CBR Engenharia e Comércio Ltda. O término do prazo de execução está previsto para 05/06/2017 e o prazo de vigência para 10/07/2017. Obs.: A entrega do empreendimento, da Contratada para a Caesb, se dará por meio dos Recebimentos Provisório e Definitivo.
9 – A Caesb reconhece que houve crime ambiental na intervenção no sítio ecológico "Geladeira"? A Caesb não reconhece ter cometido, em hipótese alguma, crime de natureza ambiental pois quando da execução dos serviços já existia no local uma "via de acesso" ligando a Rua 07 de Sobradinho II e a Via de Circulação, sendo esta última localizada entre DF 150 e a DF 20. Há de se registrar que no local existe um aglomerado de casas, caracterizando "invasão", além de grande acúmulo de lixo, que não é oriundo das obras da Caesb. É importante separar as duas coisas para que não haja confusão com a ação executada pela Caesb.
10 - A Caesb ou quem de direito vai recuperar a área? A Caesb, por meio de sua contratada, CBR Engenharia Ltda., fará a recuperação local com a regularização do terreno e recuperação vegetal dentro daquilo que for somente de sua competência e sua obrigação.

...E o pior é que o lixo tomou conta da região
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