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Toninho de Souza Artista é antena da sociedade

  • Jose Edmar Gomes
  • 6 de mar. de 2017
  • 9 min de leitura

Atualizado: 21 de out. de 2022


A exposição Sobradinho 57 anos - Cidade Arte fica em cartaz na Galeria Van Gogh até maio

A Galeria Van Gogh inaugurou, dia 17 de fevereiro, a exposição Sobradinho 57 anos - Cidade Arte, com obras de onze renomados artistas da cidade, que estarão expostas pelos próximos quatro meses, para comemorar, desde já, o aniversário da Cidade, que transcorrerá no próximo 13 de maio.

O curador da mostra, Toninho de Souza, explica que, nesse período, será possível dinamizar a visitação e ampliar a atuação da galeria no acolhimento dos amantes da arte brasileira, assim como grupo de estudantes e universitários da região norte do DF e cidades vizinhas, que poderão a conhecer as obras e o processo criativo do próprio Toninho, Nogueira de Lima, M. Kalil, Francoy Junior, Gilson Filho, J. Vicente, Thomas Ritter, Fernando Santos, Tom Melo, Arlindo Castro e Emicles Nobre.

O curador informa que a mostra tem origem na vertente “eufórica” da produção destes e de outros artistas , na década de 1990, quando a cidade viu surgir grandes murais nas paradas de ônibus, a partir da imaginação fértil de cada um.

Toninho observa que, antes daquela data, a comunidade sobradinhense não conhecia seus artistas e o Projeto Paradas promoveu uma efervescência cultural de tal ordem que a Sobradinho passou a ser um celeiro de artistas e recebeu a denominação de Cidade Arte.

O curador lamenta que a galeria tenha ficado fechada para uma interminável reforma, nos últimos quatro anos, o que interrompeu a sequência de exposições do aniversário da cidade. “Este espaço não pode ficar fechado. Todo o DF sabe que Sobradinho tem grandes talentos, que são conhecidos até fora do país”, observa.

O artista entende que a atual mostra retoma a movimentação e a energia que transformaram Sobradinho em Cidade Arte. “Percebi que os artistas estavam abandonando as salas de exposição. Eles produziam, mas não mostravam. Isso não pode acontecer, a maior força de Sobradinho, em matéria de arte, é a união de seus artistas,” acredita.

Toninho de Souza, que é baiano, mas mora em Sobradinho, há várias décadas, já fez mais de vinte mostras mundo afora; foi o mentor do emblemático Projeto Paradas; realizou a primeira Bienal de Arte Contemporânea do DF, com 300 obras de sua autoria expostas em dez galerias simultaneamente e; entre outras façanhas, criou a Melantucanarismo, linguagem que decodifica as imagens da melancia e do tucano.

Na abertura da exposição, ele concedeu esta entrevista ao editor, José Edmar Gomes, onde afirma que o artista é antena da sociedade e falou sobre o Projeto Paradas, pichação, grafitagem e revelou que vai produzir, ainda este ano, a Primeira Bienal de Arte Urbana Toninho de Souza, o que seria uma evolução do Projeto Paradas. Confira:

Por que um projeto da amplitude do Paradas foi interrompido?

Pessoas e empresas começaram a colar cartazes em cima das obras. Um artista terminava de pintar um painel hoje e amanhã já estava danificado. Muitas pessoas não respeitam a arte.

Mas, durante um bom tempo, as obras permaneceram intactas...

O que ocorreu, neste período, em que obras ficaram intactas, foi que o poder público foi atrás das empresas e pessoas que sujavam as obras e as obrigou a limpar a sujeira, sob pena de multa que doeria no bolso. Isso permitiu que os murais do Projeto Paradas, que eram obras- primas, ficassem intactos, durante dois anos.

Depois veio um período em que faltou fiscalização. Quando um cartaz, com nome e endereço de uma empresa, cobre uma obra de arte, o poder público tem que agir pois a lei veda a colocação de cartaz em áreas públicas. Essas empresas teriam, no mínimo, que ser notificadas.

A pichação tem alguma coisa a ver com isso?

O pichador, por mais que ele piche a cidade, ele respeita a obra de arte. A questão do Paradas foram as empresas, inclusive algumas de Sobradinho, que não respeitaram as obras de arte que, se tivessem seu valor convertido em multa, tais empresas não conseguiriam pagá-las.

Mas a interrupção do Projeto Paradas não se deu por orientação política, que decidiu privilegiar o grafite?

Às vezes, pessoas despreparadas assumem o poder público e resolvem seguir o modismo, sem se preocupar com a memória cultural. O grafite tem espaço no mundo inteiro, mas não é a única forma de arte. É apenas um segmento da arte urbana. O poder público, quando se preocupa com as artes visuais, deve contemplar todo o mundo, desde o primitivo, tradicional, ao contemporâneo.

Mas o fato é que o Paradas acabou. O senhor, como seu idealizador e mentor, pretende retomá-lo?

Não exatamente, porque tive uma nova ideia. Já apresentei um novo projeto à administradora regional, Jane Klébia, que absorveu a minha ideia. Eu sou precursor da arte urbana no DF. Desde os anos 1980, juntamente com o grupo Os Coloristas, que faço grandes intervenções em tapumes de obras, que você, inclusive, registrou em reportagens no Folha da Serra. Então, Toninho de Souza faz arte na rua há quase quatro décadas.

Toninho de Souza vai coordenar a primeira Bienal de Arte Urbana de Sobradinho em 2017

E depois da fase dos tapumes?

O Projeto Paradas foi o passo seguinte, que foi desenvolvido por mim e mais sete artistas. A partir daí, Sobradinho passou a ter destaque nacional. Foi matéria até do Fantástico, para você ter uma ideia da importância do deste projeto.

Mas do que se trata o seu novo projeto?

Eu vou realizar, em 20 17, a Primeira Bienal de Arte Urbana de Sobradinho. Vou fazer arte na rua, novamente, juntamente com outros artistas. Vou pintar algumas paradas de ônibus e outras vão receber arte digital, que será impressa e afixada. Esse projeto, na verdade, não é novidade no DF, participei de algo semelhante no Cruzeiro.

Esse seu novo projeto é bem parecido com o Paradas, não?

De certa forma. Mas, ele será uma evolução do Projeto Paradas. Vou pedir permissão aos comerciantes que tiverem muros e paredes pichadas, para que eu e outros artistas, inclusive, grafiteiros, os pintemos com trabalhos artísticos. Tenho a intenção de ministrar oficinas aos pichadores para eles virarem artistas de fato e passarem a ganhar dinheiro e serem reconhecidos.

Então, a questão dos pichadores seria um projeto dentro do projeto da bienal?

Seria, sim. A questão da pichação me preocupa porque a legislação, agora, obriga o pichador a indenizar o estrago que ele faz nos muros e paredes. A pichação não é um bom negócio.

Ao que parece, o projeto desta bienal é bastante ousado...

Eu sou um sonhador, um maluco beleza, como diria Raul Seixas. Eu realizei, em 1993, a Primeira Bienal de Arte Contemporânea do DF, quando bati todos os recordes do Guiness Book, expondo simultaneamente em dez galerias, com 300 obras de minha autoria. Isto nenhum artista do mundo conseguiu fazer.

Mas, agora, quero fazer isso na rua, arte urbana. Então, posso estar expondo numa galeria, como a Van Gogh, que tem nível internacional, e também estar nas ruas, nas paradas e nas paredes de Sobradinho.

E de onde vai vir o dinheiro, nessa época de crise?

Estou contando com a participação dos empresários. Não estou visando lucro. Quero apenas apoio com material de pintura, andaimes, rolos e tinta. Vou buscar parcerias para as outras despesas. O parceiro do projeto terá seu nome inserido em locais adequados , como apoio cultural. É uma forma da marca das empresas ter visibilidade na comunidade. A bienal vai despertar interesse internacional. Quando você cobre a cidade com arte de grandes ícones, como é o meu caso e de outros artistas, isso desperta atenção de muita gente e é bom para todos.

O projeto Paradas foi considerado uma imensa galeria de arte ao ar livre.

Mas, os demais artistas não vão cobrar pelo serviço prestado?

Alguns poderão querer receber um pró-labore. Mas isso só será possível se encontrarmos patrocinadores para bancá-los. Minha intenção é doar o projeto a Sobradinho, ao Brasil e ao mundo, em prol da arte. Quando se faz arte por amor, não se deve pensar em dinheiro. Quero é colocar Sobradinho no lugar que ele sempre esteve, como Cidade Arte.

Esse título não está sendo esquecido, devido à falta de arte na rua e ao crescimento da cidade?

Nenhum artista pode se esquecer das redes sociais para colocar suas opiniões e receber respostas. Fiz uma enquete e perguntei se as pessoas gostariam de ver as paradas pintadas, como antigamente. A resposta foi cem por cento positiva. A arte na rua afeta quem vai trabalhar, quem estiver passeando e as pessoas não precisam gastar dinheiro para ir num museu ou galeria. A arte vai se apresentar às pessoas como um elemento de valor na sua rotina.

Que importância tem isso na vida da população?

A arte mexe com o sentimento humano. Acalma quem está nervoso e oferece uma saída para quem estiver confuso.

E também pode melhorar a convivência urbana, pois a comunidade vai defender e preservar o que é bonito e bom?

Claro. Este é o ponto fundamental, que a comunidade mantenha as obras intactas. Assim essas obras permanecerão por cinco, seis anos, sem retoque. Você que está à frente da mídia e acompanha a cidade, há muito tempo, vê obras minhas em alto-relevo que estão intactas. É um trabalho permanente. A bienal terá, também, este objetivo.

E quanto à pichação, é possível eliminá-la do cenário urbano?

Sei que o poder público está catalogando os pichadores da cidade para adverti-los e propor-lhes outras formas de intervenção no espaço urbano. Eles podem até se transformar em artistas ou ter que indenizar o que for vandalizado.

Todo pichador é um artista em potencial? Por que eles picham?

A pichação existe desde o início da era cristã e é uma forma de protesto. Eles acham que o governo não dá retorno à sociedade. Só que esta forma de protesto atinge mais a sociedade, seus pais, seus vizinhos e o cidadão, que não querem aquilo. Se quisessem, eles (os pichadores) seriam convidados a pichar.

A pichação é muito agressiva. Existe uma guerra estética no mundo?

A pichação é uma mensagem de grupo para grupo, de forma codificada. Ninguém consegue decifrá-la de fora. Eles não estão passando mensagem para mim, mas para outro grupo, tentando provar que é mais forte. Mas, isso é uma transgressão. Seria melhor que o pichador se transformasse num pintor e tivesse seu trabalho reconhecido. Ele poderá ficar famoso e deixar uma marca positiva na comunidade e até no mundo.

Eles colocam suas marcas nos lugares mais inacessíveis. Isso é uma luta por reconhecimento?

Exatamente. Se é reconhecimento o que eles querem, por que não se transformar num artista. Eu, que sou meio maluco e gosto de criar linguagens, estou pensando em criar o pichaismo, uma arte derivada da pichação. Mas isso é segredo por enquanto.

A pichação é uma prática que marginaliza a garotada, mas está muito presente nas escolas. A escola, a comunidade e os artistas não poderiam atuar juntos para reverter esta situação de marginalidade?

O professor Cleiton Torres, do Ginásio de Sobradinho, fez uma experiência interessante, ano passado. Ele é professor de artes visuais e convidou os alunos a produzir no muro da escola. O índice de pichação no local é praticamente zero. Se tem um pichador naquele grupo, ele vai querer preservar a arte que ele fez e será reconhecido pelo grupo dele, pela namorada, pela família. Vai sentir que aquele trabalho tem resposta positiva. O que é bem melhor do que estar no crime.

A polícia consegue identificar os pichadores, mesmo?

-

Não existe crime perfeito. A polícia identifica as marcas dos pichadores e toma providências. Pichação é crime.

Então, os meninos que picham a cidade terão espaço na sua bienal?

Certa vez, fui entrevistado pelo Folha da Serra e me coloquei à disposição para coordenar uma oficina de pintura para esses meninos. Continuo à disposição, sem cobrar nenhum centavo. Já dei oficina para artistas plásticos, de arte urbana e de rua, tenho amigos grafiteiros que vão participar deste projeto. O Negro São, de Sobradinho II, é um excelente artista e acho que os pichadores gostariam de ser igual a ele. Grafitagem, hoje, é o que há de mais moderno, no Brasil e no mundo.

Como o senhor vê a posição do prefeito de São Paulo, João Dória, que destruiu murais grafitados nas ruas?

Na minha concepção, hoje, o grafite é uma tendência das artes visuais e tomou conta das galerias, não só das ruas. Dória foi infeliz porque, quando o artista é reconhecido na comunidade e nas redes sociais, ele passa a ter respaldo público. Mesmo o prefeito tendo poder discricionário, ele deveria consultar a comunidade antes de destruir as obras, porque elas foram feitas gratuitamente para a comunidade.

Toninho de Souza é o precursor da arte urbana no Distrito Federal.

O senhor já teve alguma obra de rua destruída?

Eu já sofri isso, em Sobradinho, quando o poder público, no período passado, começou a cobrir o trabalho das paradas de ônibus, sem autorização dos artistas. Imagine se fosse uma obra de Picasso, Monet, ou Da Vinci. Alguém iria cobri-la com tinta branca? O poder público tem que conhecer o artista, saber sua trajetória.

E conhecer o que é arte...

Claro. Quando o artista doa um trabalho à comunidade, aquele trabalho tem um valor. Tudo tem um valor e o preço da arte é subjetivo. Eu posso cobrar mil, dez mil, cem mil reais, depende de uma série de coisas.

A pichação remete à cultura hip hop, ao rap, à exposição nas ruas. Os garotos querem se elevar perante o grupo. Esta energia realmente pode ser canalizada para a arte. Será que a escola pode fazer algo nesse sentido?

A escola tenta, mas ainda não canalizou essa energia. O verdadeiro artista não é o que pinta para decorar uma parede, mas aquele que denuncia, através de sua arte, aquilo que ele acha errado, no meio em que vive.

O que o senhor denuncia no seu trabalho?

Meu trabalho, apesar de ser colorido, tem denúncias muito claras. Ele fala sobre massa de manobra, abuso de crianças, Aids, falta d’água e sobrevivência do planeta. Você pode falar sobre qualquer tema, usando a linguagem artística. Picasso falou sobre a guerra civil na Espanha, em seus quadros. É para isso que existe a arte. O artista antevê o futuro. Ele é a antena da sociedade.


 
 
 

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